quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Educação e Neoliberalismo

Por Marcos Oliveira*


Para entender a relação entre educação e neoliberalismo precisamos antes conceituar esse segundo - chamar apenas de novo liberalismo é muito pouco. O neoliberalismo surgiu como resposta ao estado de bem estar social (Welfare State) criado nos EUA e na Europa com o fim da crise de 1929 e a estabilidade econômica pós-segunda guerra. Dois pensadores foram fundamentais para o que seria o liberalismo intervencionista do welfare State: o americano John Rawls e o inglês John Maynard Keynes. 

Esse estado de bem estar social as pessoas deveria garantir às pessoas acesso à educação, saúde, transporte, moradia e uma série de outros direitos civis. Evidente que esses direitos e conquistas sociais sofriam variações: os países do norte da Europa alcançaram o bem estar social em um patamar mais elevado que o americano, e mesmo nos EUA, com o sistema federalista-republicano em alguns estados, as conquistas eram maiores que em outros, enquanto nos estados do Sul ainda havia leis racistas, economia pouco diversificada e controlada por um pequeno grupo, os estados do Norte criavam várias oportunidades e avançavam nos direitos das minorias.

Tendo como base o liberalismo de Keynes e John Rawls, os partidos sociais-democratas europeus e o partido democrata americano continuavam a defender um modelo econômico que tentava equilibrar a justiça social e o livre mercado. É nessa conjuntura que em meados da década de 50, nomes como Milton Friedman começam a pensar um outro modelo de liberalismo que se encaixava nos interesses de oligarquias econômicas e representava bem o pensamento político conservador do partido republicano americano e dos partidos conservadores da Europa. Pensadores como Friedman e Friedrich Hayek achavam que o estado se tornara muito oneroso, bancava muita coisa, e era um entrave ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Dessa forma, pensaram em um modelo de estado que tivesse a menor interferência possível nos assuntos econômicos, o que alguns chamaram de estado mínimo. Isso não significa que o estado é menos importante, mas sim, que ele tem outra função, não o de garantir direitos básicos aos cidadãos, mas a liberdade econômica e a eficiência do mercado, financiando a iniciativa privada. 

Entendido o que é o neoliberalismo, é preciso compreender sua influência na educação. A lógica da eficiência do mercado está diretamente ligada à ideia de privatização; os neoliberais viam (e ainda vêem) a educação não como o direito de todos ao conhecimento, mas como possibilidade de um grande negócio. Nesse sentido, ela passa a ser mais um produto a ser vendido, ofertado, e obedece a todas as leis de mercado, qualidade alta se o preço pago for igualmente alto, preço menor e qualidade proporcionalmente menor. Outras máximas típicas da linguagem comercial se inseriram na educação - como “o cliente sempre tem razão”. Por isso, várias escolas perdem completamente as suas características, porque se ocupam mais em agradar aos alunos ou/e aos pais do que desenvolverem um trabalho sério. 

A educação neoliberal conheceu as regras do mercado para transformar professores em operários. Tecnicistas que não ensinam a pensar, que nem mesmo podem escolher o que ensinar e como ensinar. Os alunos, por sua vez, são vistos como futuros operários, precisam aprender a se comportar, obedecer, mesmo que cegamente, não questionar, precisam aprender uma profissão e não pensar. O mercado precisa de trabalhadores qualificados e desqualificados, esse segundo tipo é importante para ser mão de obra barata e determinar a frustração dos qualificados. Na pressa para se formar mais rápido e entrar no jogo, surge a fórmula que está destruindo as universidades, cursos aligeirados, aprovação a qualquer custo. Nesse caso a universidade também é um negócio, precisa vender o seu produto, que mais do que o conhecimento, é o diploma, poucos ainda se importam com o conhecimento se com o diploma conseguem trabalhar, mesmo sem a capacidade necessária. 

No Brasil, a privatização da educação começou durante o regime militar. A ideia era muito clara: desestruturar a escola pública para que a classe média saísse dessas escolas e migrasse para as escolas privadas. O Brasil tinha boas escolas públicas, por isso existiam poucas escolas privadas. Não havia necessidade de estudar pagando quando se tinha um ótimo ensino público gratuito. O primeiro ponto a atacar na escola pública foi a valorização dos professores, os baixos salários resultaram no desinteresse dos melhores alunos pela docência. Para ganhar mais os professores precisavam trabalhar em mais de uma escola, ou mais de um horário, as escolas privadas recebiam os melhores professores e alunos universitários de outras áreas como engenheiros que davam aulas de matemáticas, estudantes de medicina lecionavam biologia e etc. 

Escolas particulares, dessa forma, foram criando os professores especialistas, os sistemas de ensino que hoje fazem sucesso tinham como carro chefe a ideia de mais um professor por disciplina, cada um lecionando sobre o que mais tinha domínio. Enquanto as escolas privadas inovavam e burlavam a burrocracia da ditadura, as escolas públicas retrocederam, criaram a figura do professor polivalente, aquele que leciona várias disciplinas e séries. Em escolas públicas não é difícil encontrarmos professores que ensinam três ou quatro séries diferentes, há casos de professores com mais de 30 turmas de 40 alunos: fazendo uma conta simples, chegamos a absurdos 1200 alunos.

O segundo passo para sucatear a escola pública foi o abandono dos prédios e falta de investimento em modernização. Quem fez o ENEM em escola pública viu o calor infernal e as condições precárias de várias escolas. A falta delas, aliadas a salas de aula que comportassem todos da forma mais adequada possível, criou os números absurdos que conhecemos: salas com 50, 60, até 90 alunos. Por fim, o neoliberalismo criou uma política pedagógica que se tornou um entrave na qualidade do ensino, tentou empurrar a sujeira para baixo do tapete criando sistemas como aprovação automática e a "pedagogia do coitadinho", onde a escola olha o histórico do aluno e decide que ele é um pobre coitado e que não tem como aprender, então recebe uma aprovação de qualquer jeito. O processo de privatização se intensifica ainda mais com o governo FHC, com leis que visavam privatizar o ensino superior, e o quase total abandono do ensino básico. 

Com isso, escolas privadas foram crescendo de forma vertiginosa. Não precisavam de muita estrutura, salários cada vez mais baixos, fiscalização quase zero ou em alguns casos zero mesmo, foram importantes para que a educação virasse negócio. Para percebermos isso, basta olharmos os supletivos de três meses ou os cursinhos pré-vestibulares: ora, qual a lógica de fazer um cursinho que vai te ensinar o que você deveria ter aprendido na escola? Os cursinhos surgiram porque as escolas não conseguiam aprovar nos vestibulares, o aluno não aprendia todas as matérias, hoje mesmo alunos de boas escolas fazem cursinho porque o negócio se consolidou de tal forma que entre as classes C e D isso confere algum status, as classes A e B que estudam em escolas caras e sérias não precisam e jamais o fizeram. 

Talvez o ápice do neoliberalismo na educação tenha se dado no governo Lula com o PROUNI,  que permite que as universidades privadas não paguem impostos em troca de bolsas para estudantes carentes. Só este ano, isso rendeu as universidades privadas 15 bilhões de reais, montante suficiente para colocar mais alunos nas universidades federais; Na prática, é desviar dinheiro público para sustentar as capengas universidades privadas de beira de esquina, vale ressaltar que o PROUNI não restringe o benefício às universidades privadas com péssimo desempenho nos exames do MEC.


Ainda temos as faculdades à distância e os cursos aligeirados que servem para abastecer o mercado, talvez não com mão de obra qualificada, mas com mão de obra desempregada. Os desempregados são fundamentais na hora de negociar salário com o empregado, se uma categoria tem muitos desempregados, o trabalhador que busca uma vaga tem menos condições de negociar. Há de notar que em nenhuma dessas situações se pensa no que se ensina, em que ser humano estamos formando ou como se ensina, a única coisa que se questiona é quanto será a mensalidade.

Sobre esta afirmação, gosto de uma definição feita por meu grande professor Antonio Barbosa Lúcio: “no neoliberalismo a educação se limita a um aluno que quer comprar o diploma e a escola que quer vender, o professor é alguém que pode atrapalhar essa negociação”. E eu acrescentaria que a lógica neoliberal já é tão forte que há muitos professores que entraram de vez nessa negociação e pouco ou nada se preocupam com o quê e o porquê ensinam.


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Marcos Oliveira tem 31 anos, é historiador formado pela Universidade Estadual de Alagoas e professor de ensino médio na rede particular de Arapiraca. Gosta de rock 'n roll e política.

http://www.facebook.com/marcos.oliveira.18041

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