Aqueles amigos que, em
algum momento, tenham conhecido ou convivido nos mais remotos grotões do
nordeste brasileiro, entenderão do que trata esse texto – algo que o apurado
senso cinematográfico de Breno Silveira, do alto de sua expertisse em produzir
grandes blockbusters, teima em parecer que não compreendeu muito bem.
Por ocasião do centenário
do nascimento de Gonzaga, está em cartaz a cinebiografia do mito, “Gonzaga – de
pai para filho”. O filme, do ponto de vista técnico, é muito bom: fotografia
apurada, cenas muito bem produzidas, cenários reais da vida de Gonzaga,
figurinos impecáveis, atores assustadoramente semelhantes às personagens,
edição primorosa – enfim, uma produção que dignifica um novo momento do cinema
brasileiro, com conteúdo mais robusto e menos apelativo.
O problema começa quando
prestamos atenção no caráter do Gonzaga de Breno Silveira, o que deixa
transparecer que o foco do cineasta não era exatamente dizer quem era o rei do
baião, mas talvez deixar, no ano do seu centenário, uma obra definitiva sobre o
mito. Faltou a Silveira entender melhor o nordeste – talvez conviver com
algumas famílias tradicionais lá nos grotões de Exu, a 700Km de Recife.
O filme é um retrato
nervoso da conflituosa relação de Gonzaga com seu filho, Luiz Gonzaga do Nascimento
Junior, o Gonzaguinha. O centro da história é a difícil relação entre pai e
filho, que em poucos momentos viveram juntos – e somente nos últimos anos de
Gonzagão foram parceiros musicais. Crescido no morro de São Carlos, periferia
carioca, Gonzaguinha tornou-se um sujeito brilhante, um dos mais respeitados
artistas brasileiros de sua época. Talhou sua carreira musical no samba e numa
nascente MPB. Enfim, trilhou seu próprio caminho profissional, pela distância
física e de preferências em relação ao pai.
Gonzagão, em quase todos
os momentos filmados por Silveira, é um pai ausente e despreparado - em
contraposição ao filho, um talento a ser lapidado. É rude, deixando
transparecer certo desdém. Musicalmente, é mostrado em seu fim de carreira de
modo decadente e sem brilho. Enfim, muito distante biograficamente de um dos
maiores artistas brasileiros de todos os tempos, e mais do que isso: um símbolo
do nordeste, o verdadeiro; aquele que come xique-xique na seca e dorme na rede
pendurada na casa de taipa.
Se o intuito de Breno
Silveira ao rodar “Gonzaga – de pai para filho” foi simplesmente fazer um filme
sobre uma tempestuosa relação entre pai e filho, o diretor conseguiu realizar a
tarefa com sobras – como dito, o filme tecnicamente é primoroso. Porém, se
pretendia contar a história do grande Lula, o filho de Januário que deixou seu
torrão e apareceu para o mundo, desconstruiu boa parte de sua biografia.
Existem milhares de pais
como Gonzagão até hoje no sertão. Talvez Breno Silveira deva conhecê-los
melhor, para entender.
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