quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Desconstruindo Lula




Aqueles amigos que, em algum momento, tenham conhecido ou convivido nos mais remotos grotões do nordeste brasileiro, entenderão do que trata esse texto – algo que o apurado senso cinematográfico de Breno Silveira, do alto de sua expertisse em produzir grandes blockbusters, teima em parecer que não compreendeu muito bem.

Por ocasião do centenário do nascimento de Gonzaga, está em cartaz a cinebiografia do mito, “Gonzaga – de pai para filho”. O filme, do ponto de vista técnico, é muito bom: fotografia apurada, cenas muito bem produzidas, cenários reais da vida de Gonzaga, figurinos impecáveis, atores assustadoramente semelhantes às personagens, edição primorosa – enfim, uma produção que dignifica um novo momento do cinema brasileiro, com conteúdo mais robusto e menos apelativo. 

O problema começa quando prestamos atenção no caráter do Gonzaga de Breno Silveira, o que deixa transparecer que o foco do cineasta não era exatamente dizer quem era o rei do baião, mas talvez deixar, no ano do seu centenário, uma obra definitiva sobre o mito. Faltou a Silveira entender melhor o nordeste – talvez conviver com algumas famílias tradicionais lá nos grotões de Exu, a 700Km de Recife.

O filme é um retrato nervoso da conflituosa relação de Gonzaga com seu filho, Luiz Gonzaga do Nascimento Junior, o Gonzaguinha. O centro da história é a difícil relação entre pai e filho, que em poucos momentos viveram juntos – e somente nos últimos anos de Gonzagão foram parceiros musicais. Crescido no morro de São Carlos, periferia carioca, Gonzaguinha tornou-se um sujeito brilhante, um dos mais respeitados artistas brasileiros de sua época. Talhou sua carreira musical no samba e numa nascente MPB. Enfim, trilhou seu próprio caminho profissional, pela distância física e de preferências em relação ao pai.

Gonzagão, em quase todos os momentos filmados por Silveira, é um pai ausente e despreparado - em contraposição ao filho, um talento a ser lapidado. É rude, deixando transparecer certo desdém. Musicalmente, é mostrado em seu fim de carreira de modo decadente e sem brilho. Enfim, muito distante biograficamente de um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, e mais do que isso: um símbolo do nordeste, o verdadeiro; aquele que come xique-xique na seca e dorme na rede pendurada na casa de taipa. 

Se o intuito de Breno Silveira ao rodar “Gonzaga – de pai para filho” foi simplesmente fazer um filme sobre uma tempestuosa relação entre pai e filho, o diretor conseguiu realizar a tarefa com sobras – como dito, o filme tecnicamente é primoroso. Porém, se pretendia contar a história do grande Lula, o filho de Januário que deixou seu torrão e apareceu para o mundo, desconstruiu boa parte de sua biografia.

Existem milhares de pais como Gonzagão até hoje no sertão. Talvez Breno Silveira deva conhecê-los melhor, para entender.

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