Já não é novidade que
todo artista brasileiro, num determinado momento de sua carreira, é levado a
fazer uma escolha: ou se entrega à máquina de moer da indústria cultural
nacional ou, se tem personalidade, rompe com essa lógica e se garante na
qualidade do que faz, divulgando seu trabalho onde interessa, a ele e a seu
público.
Antônio
Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes é um desses
conhecidos artistas. Há 47 anos na estrada, sempre que confrontado com o apelo
comercial e a qualidade no momento de compor sua obra, trilhou sem pestanejar
pela segunda opção. Ainda no começo de sua carreira, além das churrascarias,
pequenos ginásios e praças onde levava seus shows, se apresentava em locais pouco
comuns para a indústria musical: escolas, teatros, hospitais, penitenciárias e
fábricas.
Sua obra segue até hoje essa
mesma filosofia. Suas letras falam sobre amor e autoconhecimento, mas também
são carregadas de um sentimento libertário poético, leve, sereno. Seu estilo de
escrever o que canta é único: mil ideias acopladas em versos esteticamente
muito bem estruturados, levando o ouvinte a acompanhá-lo em sua viagem, e a
saber exatamente onde ele quer chegar. Coisa que alguns poucos gênios da música
brasileira sabem fazer.
A partir dessa postura,
não causa estranheza que a indústria cultural, e todos os seus tentáculos,
retirem do “mainstream” um sujeito que pouco se importa com a estética física,
com a agenda de entrevistas com “figurões” da TV, com compromissos em redações
de revistas de fofoca, com fotos para paparazzis. Se não se alinha a essa
agenda, vai pro limbo artístico.
Em 2009, a TV Globo
insistiu em jogar a primeira pá de cal na carreira de Belchior. Numa reportagem
de Patrícia Poeta – a mesma que hoje ostenta a bancada do principal jornal da
emissora e que, vale sempre lembrar, é esposa de Amauri Soares, diretor de
projetos e eventos especiais da casa desde 2007 – foi dito que o cantor estava
desaparecido, levantando uma série de rastros deixados por ele antes do sumiço:
um carro abandonado no estacionamento do aeroporto, aluguéis atrasados, etc. Na
matéria, era pouca ou nenhuma a importância dada às razões que levaram Belchior
a sumir do mapa – a ideia era de transmitir a imagem de um artista decadente,
sem novas ideias, sem dinheiro, sem fama.
Passado o susto,
desmentido pelo próprio Belchior – que teve que sair de seu retiro social, onde
passava os dias a compor, no Uruguai – há alguns dias a TV Globo volta a tocar
no assunto, mais uma vez no Fantástico. E novamente sem ter como atacar toda
uma história musical brilhante, vai em busca das pendengas pessoais do artista:
novos aluguéis atrasados e dívidas em estacionamentos. De novo provocado a
falar sobre o assunto, Belchior foi reto: não há mais nada a dizer.
Curioso como a indústria
cultural é impiedosa na hora de querer desconstruir a biografia de personas non
gratas nos seus corredores. Por duas vezes noticiaram, para todo o país, que
Belchior é um sujeito atolado em dívidas. Que não sabe direcionar financeiramente
sua vida, assim como milhões de brasileiros que hoje estão com “nome sujo” nos
cadastros da vida. Perseguem-no não pela qualidade de sua obra, uma das
melhores da língua portuguesa, mas pelas suas dívidas pessoais. Um crime, não?
Belchior já dava sinais de
que sua relação com o vil-metal não era lá muito amistosa em 1976, quando
lançou seu maior sucesso: “eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro
no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior”. Boa pista.
* * *
Veja aqui uma performance matadora de Belchior em 1982, para a música Divina Comédia Humana, do disco Todos os Sentidos (1978):
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