Descubro, em algum escaninho virtual, uma espécie de
carta que escrevi, faz alguns anos, para um estudante de jornalismo
imaginário. A carta seria parte de um manual de jornalismo que nunca foi
publicado:
A primeira obrigação do jornalista é ser claro e objetivo. Aos fatos, pois:
1. Se,
depois de tantos anos de convivência em redações, eu fosse convocado a
dar um “conselho” a uma turma de recrutas do jornalismo, diria
simplesmente: em nome de todos os santos, por favor, please, s`il vous
plâit, não percam nunca a capacidade de se espantar diante dos fatos.
Vejam tudo com os olhos curiosos de um menino descobrindo a maravilha do
mundo. O olhar faz toda a diferença. É o que distingue um jornalista
burocrata de um jornalista interessante. Não existe assunto chato: o que
existe é jeito chato de tratar de um assunto.
2.
Conselho número dois: não existe nada tão triste quanto a figura do
velho jornalista, pretensamente “sábio”, que passa o tempo todo jogando
no lixo as matérias (e o entusiasmo) dos repórteres. Cuidado com eles.
Fazem mal à saúde da profissão, porque sofrem de uma doença que
cataloguei como Síndrome da Frigidez Editorial (SFE). É um mal que
acomete os “derrubadores de matérias”.
3. O
jornalista pertence a uma categoria especialíssima: de tanto conviver
com fatos extraordinários, ele corre o risco de um achar tudo “normal” e
“ordinário”. Neste momento, ele se transforma naquele sujeito entediado
que, para o bem do Jornalismo, deveria estar exercendo outra profissão.
Cuidado para não se transformar num desses inimigos da notícia. Parece
incrível, mas existem, às pencas, nas redações.
4. Quando
cruzar com uma dessas Monumentos ao Tédio Profissional, faça uma oração
silenciosa em louvor a Gutemberg, o Pai do Imprensa. Pode servir de
exorcismo. Ou então deixe escrita uma frase, no muro de seus protestos
imaginários: “Acorda, Gutemberg! Eles enlouqueceram!”. ( É uma
homenagem indireta ao estudante que, ao ver os tanques soviéticos
invadirem a Tchecoslováquia para esmagar a Primavera de Praga, em 1968,
pichou num muro: “Acorda, Lênin: eles enlouqueceram!”. O espírito
ingênuo daquele estudante bem que poderia inspirar os guerrilheiros do
jornalismo. Acorda, Gutemberg: eles enlouqueceram. Não deixai que os
dinossauros pisem na alegria e na inocência dos que acreditam que o
Jornalismo pode ser interessante, vivo, criativo e original. O
importante é tentar.
5. Se
eu fosse descrever os casos de matérias que foram derrubadas pelo tédio,
pela cegueira, pela insensibilidade ou pela mera incompetência de
editores, preencheria uma enciclopédia inteira. Pouparei vossa
paciência. Mas, calouros, em verdade vos digo: preparem-se para sofrer
com a insensibilidade alheia. Faz parte da profissão.
6. O
grande escritor Italo Calvino disse – com outras palavras – que
enfrentava um desafio: jamais deixar que o eventual azedume da vida
contaminasse o texto. As palavras, as frases, os sujeitos, os verbos,
os predicados – tudo precisa de vivacidade, clareza, sutileza, vida
própria. A regra não vale apenas para os escritores: vale também para os
jornalistas- inclusive os novatos. Nunca é cedo para aprender.
7. Seja
saudavelmente pretensioso. Faça a si mesmo uma pergunta antes de
resmungar porque foi escalado para entrevistar uma celebridade que já
deu mil entrevistas: quem sabe se, na milésima primeira entrevista, eu não consigo arrancar uma história nova, uma declaração inédita, um detalhe que ninguém conhece? Não jogue fora a notícia antes de tentar.
8.
Fazer bom jornalismo é dar, ao leitor, ouvinte ou telespectador, uma
informação que ele não conhecia. Tente ser o porta-voz da novidade.
9. Ainda
não inventaram uma fórmula mágica. A velha regra vale para todos os
filhos de Deus: só escreve bem quem lê muito. Ponto final. Revogam-se
as disposições em contrário. Cansei de ver nas redações: nem todo mundo
que lê consegue ter um texto claro, límpido e atraente. Mas,
invariavelmente, quem não lê não sabe escrever. Os maiores absurdos que
já li foram escritos por gente que sofre de bibliofobia – horror a
livro. Preferem ler revista de celebridade na sala de espera do dentista.
10.
Conselho final aos recrutas: agora e sempre, espantem-se ! O jornalismo
ficará cem por cento melhor se todo jornalista olhar o planeta com os
olhos de um descobridor chegando ao Novo Mundo. Pedro Álvares Cabral, Cristóvão Colombo, acordai: eu, humildemente, vos nomeio nossos patronos.
* * *
Veja o Dossiê Geral, blog do jornalista Geneton Moraes Neto no G1, de onde foi extraído esse texto, clicando aqui.
Muito bom o seu blog, Luciano! Já está na lista dos meus favoritos. Parabéns!
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