sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Extremos


Por Majal-San¹

 
Rua calçada, às margens casarões luxuosos, carros e carrões importados trafegam diariamente. Dias úteis, dias santos, festividades, carnaval, feriado, todo dia, todos os dias, o mesmo dia. Nada difere um fim de semana de uma segunda-feira. Ninguém se conhece naquela rua. Todos se escondem por trás de vidros e pára-brisas fumês. Bom dia, olá, boa tarde, oi, boa noite, talvez só na própria família, ou para o Doberman, o Pit Bull, o Rotweiller... (guardiões daqueles pseudocastelos).

Vielas esburacadas no final daquela rua calçada, botecos de madeira e lona bem distantes dos casarões luxuosos. Dias úteis (inúteis), dias santos (demoníacos), festividades (gritos), carnaval (pinga e sangue), feriado (prisão e luto), todo dia, todos os dias, uma nova ocorrência, boletim policial, decepção. Mas, o que é decepção para aqueles “moradores”?

Todos se conhecem. Não há pára-brisas fumês, não há vidros separando-os, a não ser quando os dos camburões da polícia ou do instituto médico-legal. Todos conhecem o Joãozinho lombriguento da Dona Júlia, todos conhecem o biriteiro macho da Rita Caçolão. Quem não conhece os vira-latas bamboleantes dos becos escuros? Quem nunca ouviu os latidos de “Tob”, “Baleia”, “Rex” e “Tubarão”?

Enquanto na rua de cima pessoas ilustres assistem ao jornal, o mercado financeiro, a bolsa de valores, os ocupantes da rua, do córrego poluído assistem na casa do vizinho que possui uma 14 polegadas preto e branco a um programa policial de baixa categoria, e outros a caminho do mercado municipal, com sua 12 polegadas enferrujada na cintura, vão tentar conseguir alguma bolsa fácil.

Enquanto Shirley conversa sobre o político-sócio-econômico nacional com seu namorado no banco traseiro do seu conversível às 12h30min da noite, Cicinha tenta desempenar um poste de madeira à beira de uma valeta com seu parceiro atual em beijos e esfregões contínuos.

Enquanto Richard enriquece ilícita e rapidamente na empresa que administra, Manoel é autuado em flagrante ao tentar bater uma carteira na parada de ônibus não tão distante dali.

Manhã cinzenta, movimento intenso de carros luxuosos, a emissora de televisão faz-se presente, um enfarto leva bruscamente o mais antigo residente daquela rua de cima. Discretamente uma lágrima desce em cada face ao cumprimentar a viúva. Os cães guardiões, até eles, demonstram a saudade repentina do seu dono.

Por coincidência, no final daquela rua, uma morte também chama a atenção. Um projétil leva subitamente o mais recente morador. Desesperadamente, gritos e rios de lágrimas verdadeiras ou falsas rodeiam o caixão barato onde se encontra o corpo do indivíduo. Abraços com cheiro de aguardente, suor e hálito forte invadem o corpo de Dona Maria, a viúva.


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Milton Valério - ou Majal-San - é poeta, escritor, ativista social e professor da rede pública de ensino de Teotônio Vilela, cidade a 100km de Maceió.

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