Por Majal-San¹
Rua calçada, às
margens casarões luxuosos, carros e carrões importados trafegam diariamente.
Dias úteis, dias santos, festividades, carnaval, feriado, todo dia, todos os
dias, o mesmo dia. Nada difere um fim de semana de uma segunda-feira. Ninguém
se conhece naquela rua. Todos se escondem por trás de vidros e pára-brisas
fumês. Bom dia, olá, boa tarde, oi, boa noite, talvez só na própria família, ou
para o Doberman, o Pit Bull, o Rotweiller... (guardiões daqueles
pseudocastelos).
Vielas esburacadas no final
daquela rua calçada, botecos de madeira e lona bem distantes dos casarões
luxuosos. Dias úteis (inúteis), dias santos (demoníacos), festividades
(gritos), carnaval (pinga e sangue), feriado (prisão e luto), todo dia, todos
os dias, uma nova ocorrência, boletim policial, decepção. Mas, o que é decepção
para aqueles “moradores”?
Todos se conhecem. Não há
pára-brisas fumês, não há vidros separando-os, a não ser quando os dos
camburões da polícia ou do instituto médico-legal. Todos conhecem o Joãozinho
lombriguento da Dona Júlia, todos conhecem o biriteiro macho da Rita Caçolão.
Quem não conhece os vira-latas bamboleantes dos becos escuros? Quem nunca ouviu
os latidos de “Tob”, “Baleia”, “Rex” e “Tubarão”?
Enquanto na rua de cima
pessoas ilustres assistem ao jornal, o mercado financeiro, a bolsa de valores,
os ocupantes da rua, do córrego poluído assistem na casa do vizinho que possui
uma 14 polegadas preto e branco a um programa policial de baixa categoria, e
outros a caminho do mercado municipal, com sua 12 polegadas enferrujada na
cintura, vão tentar conseguir alguma bolsa fácil.
Enquanto Shirley conversa
sobre o político-sócio-econômico nacional com seu namorado no banco traseiro do
seu conversível às 12h30min da noite, Cicinha tenta desempenar um poste de
madeira à beira de uma valeta com seu parceiro atual em beijos e esfregões
contínuos.
Enquanto Richard enriquece
ilícita e rapidamente na empresa que administra, Manoel é autuado em flagrante
ao tentar bater uma carteira na parada de ônibus não tão distante dali.
Manhã cinzenta, movimento
intenso de carros luxuosos, a emissora de televisão faz-se presente, um enfarto
leva bruscamente o mais antigo residente daquela rua de cima. Discretamente uma
lágrima desce em cada face ao cumprimentar a viúva. Os cães guardiões, até
eles, demonstram a saudade repentina do seu dono.
Por coincidência, no final daquela rua, uma morte
também chama a atenção. Um projétil leva subitamente o mais recente morador. Desesperadamente,
gritos e rios de lágrimas verdadeiras ou falsas rodeiam o caixão barato onde se
encontra o corpo do indivíduo. Abraços com cheiro de aguardente, suor e hálito
forte invadem o corpo de Dona Maria, a viúva.
* * *
Milton Valério -
ou Majal-San - é poeta, escritor, ativista social e professor da rede
pública de ensino de Teotônio Vilela, cidade a 100km de Maceió.
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