segunda-feira, 2 de abril de 2012

Para além de Demóstenes


No Brasil, quando se ouve falar em política, imediatamente costuma se lembrar de inúmeros escândalos e do notório desvio ético dos atores que regem essa área no país. Distante de se enxergar como forma de planejamento e execução de projetos de cidadania que melhore a vida da população, o termo "político" por aqui significa corrupção, negociata e jeitinho.

Na mesma direção do asco que causa ao brasileiro falar de política, está também a decepção quando um desses "limpos" é descoberto em atividades não muito compatíveis com sua fama ética. Trata-se, logicamente, das recentes relações promíscuas entre o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) com o notório contraventor Carlinhos Cachoeira, chefe de uma quadrilha de exploração de jogos em Goiás, com ramificações em vários estados do Brasil. Causa especial surpresa no meio político, por se tratar justamente de um dos mais conhecidos defensores da envergadura ética do parlamento brasileiro.

Foram mais de 200 conversas interceptadas pela Polícia Federal entre Cachoeira e Demóstenes. Primeiro, sem conhecer ainda a munição da PF, o senador continuou a desfilar sua postura de homem probo, fazendo um concorrido discurso na tribuna do senado, com apartes de quase todos os senadores presentes. Em sua defesa, a tão surpreendente quanto pitoresca afirmação: sua única relação com o bicheiro eram uma cozinha e uma geladeira, ganhos de presente por seu casamento, há 3 anos. Naquele momento, eram mais de 200 diálogos, desconhecidos, que na ótica do senador teriam servido somente para definir os modelos de seu singelo presente.

Pouco a pouco, foi caindo a máscara da falsa ética do senador, e algumas conversas com o bicheiro vieram à tona. Nelas se revelaram muito mais do que a admitida amizade entre os dois - descobriu-se um grande esquema de favorecimento político, onde o bicheiro Cachoeira se mostrou mais do que um camarada: era um dos parceiros de Demóstenes, opinando e compartilhando com o senador todos os passos do seu mandato.

O caso do ex-probo senador explicita um importante aspecto: uma geração inteira, desde a redemocrarização do país, em meados dos anos 80, vem reduzindo o debate sobre um projeto de Brasil ao discurso moral e ético, e na verdadeira expedição arqueológica na busca de um político verdadeiramente "limpo", como se fosse possível ao indivíduo ser uma ilha, cercada de moralidade por todos os lados, imune ao pensamento geral não só dos corredores políticos, mas desse país como um todo: o de que só com a nossa malandragem "típica" é possível "se dar bem". 

É lógico que o Brasil precisa de homens íntegros, mais ainda quando se trata de definir os rumos de uma nação. Mas, adiante disso, como caminharemos? É preciso, desde já, discutir um projeto de desenvolvimento, avanças nas políticas de inclusão social. Pensar numa nova etapa do nosso desenvolvimento, com educação, ciência e tecnologia. Diminuir definitivamente as desigualdades, que tanto nos emperram.

O noticiário brasileiro já tem páginas policiais demais. Está na hora de mudar nossa agenda.
 
 
* * *

Em tempo: Demóstenes foi um proeminente orador e político grego, de Atenas. Viveu entre 384 a.C. e 322 a.C, e seu nome sofreu um enorme impacto quando, Após 335 a.C., viu decair tanto sua reputação quanto influência. Chegou mesmo a ser condenado por ter se deixado comprar por um ministro de Alexandre e facilitar sua fuga de Atenas. Foi preso mas conseguiu fugir, exilando-se de Atenas por longo período. Suicidou-se.
 
A vida imita a arte.

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