quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O destinatário certo



A mais nova onda da classe média brasileira, que nunca pisou nem no cinturão verde da Braskem (quem for de Maceió saberá onde fica) é assinar e divulgar a petição online "Salvemos os índios Guarani-Kaiowá - URGENTE!", criado por uma até então desconhecida Valéria F, endereçado à presidenta Dilma Rousseff. Até este momento, o documento já contava com mais de 179 mil adesões.

Diz o texto online da peça: "Exija conosco cobertura da mídia sobre o caso e ação urgente do governo DILMA e do governador ANDRÉ PUCCINELLI, para que impeçam tais matanças e junto com elas a extinção desse povo". Ou seja, na visão da neo-celebridade Valéria F, autora da petição, cabe à presidenta e ao governador do estado ações que evitem o "genocídio" e o "sangue derramado" da tribo, a maior etnia indígena do Mato Grosso do Sul - embora o problema esteja com mais força em apenas um tronco da etnia, o dos que se situam em Pyelito Kue, comunidade de 170 indígenas que expôs seu desespero após receber uma ordem de despejo da terra onde vive acampada. Na carta, os indígenas afirmavam que dali não sairiam vivos. A comoção social se deu principalmente a partir do momento em que lideranças “engajadas”, como a ex-ministra Marina Silva, repercutiram o fato.

Pera lá, cara pálida – com perdão do trocadilho. O buraco é mais embaixo e a história é bem mais longa quando se trata da questão indígena brasileira. Lá se vão mais de trinta anos desde que um revoltado Renato Russo gritou “quem me dera, ao menos uma vez, como a mais bela tribo, dos mais belos ‘índios’, não serem atacados por serem inocentes”. E lá se vão mais de 500 anos desde que os portugueses deram o primeiro calote nos indígenas, trocando pau-brasil por espelhinhos e apitos (muitos acreditarão com raiva deste blogueiro nessa última versão).

A mobilização social nas redes é uma das mais louváveis invenções da sociedade moderna, porém não pode se confundir com a paixão de uma torcida organizada, que grita em CAIXA ALTA no meio de um Fla-Flu. O GENOCÍDIO indígena, não é bem assim – e se for, pelo menos que se estabeleça a verdade temporal sobre quem mata quem e desde quando isso acontece. 

Vamos aos fatos, que levaram a mais nova celebridade do facebook Valéria F a gastar seus dedinhos no caso dos Guarani-Kaiowá: em dezembro de 2009, o então presidente Lula editou e publicou um decreto homologando a demarcação das terras indígenas da etnia, que foi alguns dias depois suspenso por decisão monocrática do então presidente do STF, sempre ele, Gilmar Mendes. A decisão do ministro beneficiou os proprietários das fazendas Polegar, São Judas Tadeu, Porto Domingos e Potreiro-Corá. Em setembro desse ano, a justiça federal do MS resolveu, definitivamente, expulsar os índios das terras em questão, o que os levou a reagir com a carta aberta e a afirmação de que dali, só sairiam mortos. Daí para uma petição pública exigindo da presidenta que resolva essa tudo numa canetada, simples como a velha troca do espelhinho pelo pau-brasil, é mais um devaneio desses novos “conectados”, daqueles que vemos quase todos os dias nas redes.

Parece claro que a pendenga dos Guarani-Kaiowá é com a justiça – o que, evidentemente, não absolve nenhum dos poderes constituídos de prestar sua solidariedade ao ocorrido. Entretanto, num país onde pelo menos aparentemente as instituições funcionam, é interessante que a sub-celeb Valéria F retoque sua obra-prima, endereçando-a a quem cabe, por dever moral, resolver o problema: o Supremo Tribunal Federal, e seu mais contraditório ministro, Gilmar Mendes.

Todo apoio às reivindicações dos Guarani-Kaiowá. Que sua luta e a comoção nacional que ela causou consiga acalmar jagunços dos latifundiários que os afugentam, e faça a justiça federal e o Sr Gilmar Mendes rever o grande absurdo que causou.

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PS.: Para os que quiserem fazer pressão no lugar certo, segue o único e-mail disponível do ministro Gilmar Mendes (eu já mandei o meu, mande o seu também): audienciasgilmarmendes@stf.jus.br

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