A mais nova onda da classe média
brasileira, que nunca pisou nem no cinturão verde da Braskem (quem for de
Maceió saberá onde fica) é assinar e divulgar a petição online "Salvemos
os índios Guarani-Kaiowá - URGENTE!", criado por uma até então desconhecida
Valéria F, endereçado à presidenta Dilma Rousseff. Até este momento, o
documento já contava com mais de 179 mil adesões.
Diz o texto online da peça: "Exija
conosco cobertura da mídia sobre o caso e ação urgente do governo DILMA e do
governador ANDRÉ PUCCINELLI, para que impeçam tais matanças e junto com elas a
extinção desse povo". Ou seja, na visão da neo-celebridade Valéria F,
autora da petição, cabe à presidenta e ao governador do estado ações que evitem
o "genocídio" e o "sangue derramado" da tribo, a maior
etnia indígena do Mato Grosso do Sul - embora o problema esteja com mais força
em apenas um tronco da etnia, o dos que se situam em Pyelito Kue, comunidade de
170 indígenas que expôs seu desespero após receber uma ordem de despejo da
terra onde vive acampada. Na carta, os indígenas afirmavam que dali não sairiam
vivos. A comoção social se deu principalmente a partir do momento em que
lideranças “engajadas”, como a ex-ministra Marina Silva, repercutiram o fato.
Pera lá, cara pálida – com perdão do
trocadilho. O buraco é mais embaixo e a história é bem mais longa quando se
trata da questão indígena brasileira. Lá se vão mais de trinta anos desde que
um revoltado Renato Russo gritou “quem me dera, ao menos uma vez, como a mais
bela tribo, dos mais belos ‘índios’, não serem atacados por serem inocentes”. E
lá se vão mais de 500 anos desde que os portugueses deram o primeiro calote nos
indígenas, trocando pau-brasil por espelhinhos e apitos (muitos acreditarão com
raiva deste blogueiro nessa última versão).
A mobilização social nas redes é uma das
mais louváveis invenções da sociedade moderna, porém não pode se confundir com
a paixão de uma torcida organizada, que grita em CAIXA ALTA no meio de um
Fla-Flu. O GENOCÍDIO indígena, não é bem assim – e se for, pelo menos que se
estabeleça a verdade temporal sobre quem mata quem e desde quando isso
acontece.
Vamos aos fatos, que levaram a mais nova
celebridade do facebook Valéria F a gastar seus dedinhos no caso dos
Guarani-Kaiowá: em dezembro de 2009, o então presidente Lula editou e publicou
um decreto homologando a demarcação das terras indígenas da etnia, que foi
alguns dias depois suspenso por decisão monocrática do então presidente do STF,
sempre ele, Gilmar Mendes. A decisão do ministro beneficiou os proprietários
das fazendas Polegar, São Judas Tadeu, Porto Domingos e Potreiro-Corá. Em setembro
desse ano, a justiça federal do MS resolveu, definitivamente, expulsar os
índios das terras em questão, o que os levou a reagir com a carta aberta e a
afirmação de que dali, só sairiam mortos. Daí para uma petição pública exigindo
da presidenta que resolva essa tudo numa canetada, simples como a velha troca
do espelhinho pelo pau-brasil, é mais um devaneio desses novos “conectados”,
daqueles que vemos quase todos os dias nas redes.
Parece claro que a pendenga dos
Guarani-Kaiowá é com a justiça – o que, evidentemente, não absolve nenhum dos
poderes constituídos de prestar sua solidariedade ao ocorrido. Entretanto, num
país onde pelo menos aparentemente as instituições funcionam, é interessante
que a sub-celeb Valéria F retoque sua obra-prima, endereçando-a a quem cabe,
por dever moral, resolver o problema: o Supremo Tribunal Federal, e seu mais
contraditório ministro, Gilmar Mendes.
Todo apoio às reivindicações dos
Guarani-Kaiowá. Que sua luta e a comoção nacional que ela causou consiga
acalmar jagunços dos latifundiários que os afugentam, e faça a justiça federal
e o Sr Gilmar Mendes rever o grande absurdo que causou.
* * *
PS.: Para os que quiserem fazer pressão no
lugar certo, segue o único e-mail disponível do ministro Gilmar Mendes (eu já
mandei o meu, mande o seu também): audienciasgilmarmendes@stf.jus.br
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